segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

na impotência há muito aprendizado
desde muito pequena me interesso pelas formas do espírito: a imaginação veio primeiro. o excesso de imaginação foi, inclusive, um sintoma de diagnóstico e linhas diversas. da homeopatia à psicanálise. hoje se assustam com a retenção muscular de que sou capaz. elas por elas, noves fora, quem sofre mesmo são os meus pulmões. dentes fracos, cariados. pulmões cheios de catarro. no entanto esse brilho, esse brilho de entusiasmo pelas formas da matéria que se jogam nas coisas.

a cada dia mais associo ego com fazer. chegam a me dizer "sabia que não é preciso sempre fazer alguma coisa diante de alguma situação?". não, eu não sei. e adoeço por exaustão. olho bem nos fundos do escuro e reconheço: é o exato oposto da potência que eu senti, da capacidade de ação que eu tive, do êxito que eu executei. então fico assim: aos rastros, retalhos, confins. entende-se com isso que não é que tenho a saúde fraca, é que eu a gasto.

tenho percebido que é por aí, na modulação da potência, é que vou aprender a não morrer cedo. mas não sei, não sei se tenho aprendizagem suficiente no meu destino. sou da turma dos que acham que já entenderam, a cada dia me interesso por menos coisas, mas a abrangência de mundos: me interesso sobretudo pelos reinos vegetais e animais faz com que eu me interesse a cada dia por mais coisas. a expansão é uma das minhas regras. a contração é o que tenho que aprender.

até hoje tem sido na marra. ou no transe, no êxtase.

_****

há muitos anos me interesso por oráculos. não há nada que eu procure mais do que o êxtase. estou pra sempre inafiançável na turma dos delirantes, os que têm por sintoma a imaginação. adoro o espetáculo íntimo do transe. nasci entre o vermelho e o alaranjado mas, como sou uma intérprete, tenho vocação para serpente e todas as cores do arco-íris pra consultar na palma da mão, na retina, na atmosfera. estou, sempre, pela transformação.

**

canja de galinha não faz mal a ninguém,

domingo, 27 de dezembro de 2015

É preciso recriar o acontecer.
Dispor de lãs para o inverno
ouvidos para as mensagens
e peles para marcar os sinais
com a ponta do dedo em brasa.
É preciso saber
as regras dos jogos
como extrair os venenos
e que palavras abrem portas
nas orações que ainda não foram compostas.

É preciso retomar a saída da cidade
alimentar os estrangeiros chegados na madrugada
e que depois de terem os pés lavados
acenderam suas fogueiras.
Fornecemos mais do que gravetos e faíscas em gel
mas também papel para que ardessem
ou escrevessem as técnicas de suas civilizações
nas quais o vento tem outros significados
pois as asas de seus deuses batem desde o oeste
e por aqui todos sabem que os deuses vem da América do Sul.

Os estrangeiros às vezes têm ideias estúpidas
mas não vamos protegê-los de si mesmos
preciso é retirá-los de perto da falésia
para que não caiam nem decidam partir.
É preciso dar a eles a agricultura
pois são o ventre deste país
embora não saibam trazer a chuva
pelo menos respeitam as pragas
e evitam as devastações.

É preciso aquecer os músculos e hidratar a garganta
dar escudos duros e afiar as lanças dos que combatem
protegendo as pedras que dão água.
É preciso não salvar os mortos
mas limpar as ruínas de suas guerras
sem arrancar as ervas daninhas.
É preciso fornecer plantas para a sombra
e luzes no lugar dos olhos
daqueles que perderam a cabeça.
É preciso acolher os feridos
e deitar sal e cinzas
nos seus ferimentos.
É preciso acalmá-los.
E acalmá-los é dar guarida ao breu em que estão.

- - -
de "Seiva, veneno ou fruto", a sair nos próximos meses pela Chão da Feira.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

é o maior domingo do mundo
nasceu para ser longínquo
pois tentamos acessar
tudo aquilo que não há mais
os que viraram clarão
o abajur quebrou o porta retrato
os retalhos de fulano que era primo de sicrano
que morreu atravessando a rua
que leva o nome do tio Bébé
o que alforriava na praça Chagas.
o que morreu de overdose foi pela outra parte
do rio.

no maior domingo do mundo abriu-se
um sorriso, na falta de sorveteria
(estavam todas fechadas)
e do sorriso saiu uma língua
encharcou-nos todos de baba

sem esquecimento nesse domingo maior
encharcamos a cara
até sentir os pulmões muito fundos
parafusos de aço prendem
nossos troncos respiram
lá nos fundos dos confins
essas tosses hereditárias
o catarro hereditário
as melhores rabanadas
pernis bacalhaus
singelas violetas num parapeito de janela.
mas ninguém
percebe.

os que chegaram
muito novos ainda
não entendem as noites
embora por ela esperam
os pacotes imensos.
não sabem do remorso
navegam pelo grande intento
e, bem tarde, choram

como nenhuma expectativa se cumpre.
é a lei da vida.
eles também não vão aprender.
entre as coisas que morrem no natal esquecem de contar os trapos os retalhos
sobras das ligações desgastes das precipitações uma urgência 
de dizer aprender a dizer não sim 
onde é que estou
donde vai dar em mim

*

a maior parte das crises de rinite que tenho são em dias de trocas familiares
quando eu era pequena me entupiam de leite
até hoje regurgito as vacas.

flor de sabugueiro, alfazema, capim limão
são hoje só, meus irmãos.


existiu uma bomba antes de mim
não fui eu nem a saída nem estopim 
estive pra ser assim 
uma rima ruim 

a família azuleja os futuros 
me preocupo com o que virá
entre nos ruína 
enquanto sinto saudades da vó.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

entre todas as receitas que tenho para recomendar
além de alecrim dourado e verde nos olhares,
saliva em cima das feridas
sal grosso nas canelas. canela!
& ayahuasca. como tenho sentido falta.
um halo de frio amarrando meus ombros.
a parte de cima do tronco, dois parafusos
de chumbo ligando as travas entre pulmão e costela.
essa tosse de mil anos. ajudei muita gente.
vertigens dias sem descanso.
o corpo é que paga.


domingo, 20 de dezembro de 2015

anos atrás, uma amiga pedagoga de muita experiência me disse algo assim: "com o tempo a gente aprende que a inteligência importa no crescimento do ensino de alguém, mas tão importante quanto é o exercício da sensibilidade. é a sensibilidade que cria as ligações com a vida, a inteligência às vezes entorta, quase sempre quebra. mas também molda a sensibilidade. mas sem sensibilidade a inteligência é só farpas."
do mundo literário, duas coisas que me impressionam existir e eu olho pra elas como uma criança. sempre olhei, primeiro impressionada com o poder esmagador da dança, pensando que, talvez, eu pudesse dançar também. mas acho que não posso. não é nem no meu pé que pisam. é nos meus pulmões. 

discursos críticos, quase sempre legitimados com uma instituição nas costas (jornais, posições sociais, títulos) que avaliam os escritos dos escritores dizendo que eles pensam/fazem de maneira x, textos eles mesmos escritos/pensados num estilo completamente convencional. a outra coisa que me impressiona são os escritores que ligam pra alguém que gostaria de modificar a sua forma de pensar/fazer. não por bem não, quase sempre por falta de atenção, falta de respiração, falta de vida mesmo.

aliás, viver mais, com mais ligação nas coisas, não faria mal pra maior parte dos textos.
a sintonia de dois tons acima, da devolução
a espécie de variação
uma sensação de que esse blogue acabou
de que vou começar outro
que será mais improfissional
que será mais profissional

fazia tempos que não sentia essa fúria da escrita
essa fúria pouco canônica
que não aceita canetas quebradas
essa escrita que procura Valentine
e arrebenta suas teclas como dentes

fazia tempo que eu não sentia essa fúria de escrita
mas antes essa fúria significava raiva, ódio
hoje meu ódio não é mais o melhor em mim

não que ele não esteja aqui
todos os dias
no estômago
nos tímpanos
nas saídas de escapamento

não sei mais no que acreditar
porque minha crença não pesa assim
sobre nada
ela paira, minha crença
me ensina a não desejar crença
nem descrença

entendimento sim.

sábado, 19 de dezembro de 2015





costumo escrever sobre os anos só no último dia deles, como precaução talvez. 2015 passou tão rápido que acelerei também e resolvi escrever já porque não se engane, estarei pra sempre acelerando as eras; quer dizer, as eras aceleram tanto neste pulmão que, não se engane, há coisas que só a literatura pode lidar. e mais uma vez é fim de ano e estou doente, precisando descansar.

foi pensando nisso que fui pra estante pensando em que título de algum livro clássico, um clássico que ainda não li? em que título 2015 se resumiria? tão evidente: "o som e a fúria", achei 2015 na estante. quando encontrei, abri, no fôlego de quem sabe que está entrando num mundo completamente desconhecido, no mundo do mergulho chamado: literatura. logo na primeira página encontrei o recado de mim mesma para mim mesma. e quando essas coisas acontecem são placas tectônicas que deslizam na minha reação de escrever.

o que eu me lembro de 2005? que foi dos anos mais difíceis da minha vida, nunca estive tão apaixonada e fodida com isso. mas 2004 tinha sido um ano tão ruim (o pior, ainda hoje — Saturno em câncer oposto ao meu Sol), mas tão ruim, que 2005 embora eu estivesse lambendo a sarjeta dos destruídos pelo amor, isso ainda era melhor do que ter tido pneumonia e a casa assaltada com uma arma na cabeça de cada um. mas, é evidente, que não tenho a menor ideia do que foi novembro de 2005, muito menos do que estava me acontecendo no momento de escrever na contracapa do livro. e eu já sabia que toda aquela presença seria ausência ao reencontrar "o som e a fúria". todo ano tem muita coisa que parece presente, mas que se a gente apertar os olhos (um pouquinho que seja) desaparece. faz um esforço aí, gente, digere.

2015 foi o ano em que fiz mais coisas em toda a minha vida. nunca trabalhei tanto como em 2015. é até difícil nomear. dei aulas, depois desisti delas, li mapas astrais, primeiro aos poucos, e a coisa reverberou por si própria tanto que eles invadiram o meu cotidiano. publiquei poemas em lugares diversos, terminei meu livro que sai em 2016. "seiva, veneno ou fruto", sai como um cristal. em 2015 entre fevereiro e abril participei do baldio, 1 anti-jornal processo coletivo que ainda está por ser digerido pela galáxia; já pela chão da feira fizemos alguns livros, entre eles o "sibilitz", do único poeta vivo na nossa língua a quem eu chamo de "mestre"; editamos também o volume 2 da revista gratuita, em dois tomos, sólido sobre o qual ouvi comentários diversos, entre eles... taí, em 2005 eu contaria, mas em 2015 me vale mais ter algumas coisas entre os dentes, docinhos.

em 2016 continuarei fazendo digressões mais do que o comum entre tantos pensamentos estáveis dessa geração e agradeço que as rotas diversas não entrem na minha esfera de colisão, porque sei que vou estar fervendo.

em 2005 eu tinha uma espécie de ritual de travessia do ano, que eu escolhia algum livro muito poderoso pra atravessar os anos lendo. li muito beckett nessa altura do ano. a época de natal e ano-novo é sempre tão pesada que até os abstêmios se entopem e os esquecidos da própria sensibilidade choram. vou atravessar o ano lendo "o som e a fúria", 2015 foi um ano que chorei, chorei, chorei. e quando já não era mais possível chorar, chorei mais e chorei também. pela primeira vez na vida tive um motivo absolutamente real pra chorar tanto. foi a morte, o absolutamente real do real, que pela primeira vez eu vi e toquei e soube e conheci o momento exato em que minha avó se foi, num raio, pra dentro da nuvem do desconhecido. saber de mãos e pulmão e olhos. e adeus. foi mesmo uma eletricidade o tornar-se carne e é também por isso que fiquei tão reconhecida quando soube, também em 2015, a evidência de que sou filha de Iansã. e que amo os meus ancestrais.

nisso de limpar os mundos estou por absoluto, poucas palavras são tão difíceis de preencher em 2015 como "medicina", estão tantos furiosos, tantos furiosos. a maior parte dos meus amigos continua se tornando artista ou xamã, escritor ou desenhista, massagista ou terapeuta, yogue ou cantor & eu estou feliz porque também sou da sua companhia. é perceptível que um dia todos vamos concordar com o índio que disse que não tarda nada pra sabermos que não havia mais nada além de medicina. enquanto isso desconfio pacas do uso indiscriminado dessa palavra & de todas as palavras que se usam sem afinco. como poeta, como editora, como a astróloga que 2015 afirmou que sou na centena de leituras de mapas que fiz, procuro mostrar o eixo invisível em que cada um enverga ou se parte. firme. enquanto a morte não nos leva a todos, que tal cuidarmos das coisas? a saúde da carnespírito, essa coisa tão emocional que respira.

em 2015 eu agradeço pela confiança que alguns tiveram no que eu disse.
de 2016 espero voltar a escrever. afinal é o que eu espero de todos os anos.
e sempre com a música, afinal confesso que escrevi esse texto ouvindo "emoções", do roberto carlos, que era das músicas preferidas da minha avó e abre a playlist que montei quando ela se foi & escuto sempre quando a quero lembrar.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

entre as coisas que não percebes está a minha tosse
meu gesto de passar a mão no cabelo significa
que estou com sede e não é de água

meu gesto de ser um cacto
meu sonho desgovernar a órbita
dos teus olhos
com um espeto
remexo entre as coisas que não percebes
está o luto
a viagem que a gente faz de volta pra casa
quando alguém morre

é sempre cedo
pra te deixar
entre as coisas que não percebes.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

sagitário



prometi, umas semanas atrás, que escreveria sobre Sagitário quando o sol estivesse nesse signo, o do entendimento. dia melhor do que o aniversário (hoje) de 70 anos da minha mãe, não há, afinal Sagitário nunca envelhece. ainda não tinha escrito porque passei os últimos dias tão entusiasmada que agora estou no reverso: esgotada pelo excesso de energia vivificada. o que fala, desde já, da natureza desse signo metade humano, metade cavalo. Sagitário atravessa.

o quê? os mundos, os altos & os amplos. na minha nada sutil opinião, Sagitário é o primeiro dos signos a lidar com a ideia de futuro, por isso lança suas flechas sempre no adiante, no porvir. é também aquele que sempre vai dar sua opinião, e as opiniões de Sagitário vem a galope, ou num trator. o que faz dos seus argumentos atraentes é que eles não são exatamente ponderados, são exagerados e embora isso, são completamente pensados de corpo-espírito. digo mais: são verdadeiros.

embora hoje em dia (quase) todo mundo saiba que as verdades são relativas, Sagitário às vezes se esquece, mas quando se lembra: amplifica, dinamiza. questionador: o lado mais aberto da maturidade sagitariana é dizer: se não sei a resposta, é porque ainda não sei qual é a pergunta. e pra saber perguntar é preciso o quê? viver: experimentar. e experimentar é aprender.

é por isso que ama o desconhecido. saber é viver.

entre os signos de fogo Áries é a faísca, Leão é a chama, Sagitário é a brasa. o fogo amansado e constante, firme brasa do conhecimento do fogo, que segue ardendo nas eternidades humanas: Sagitário cuida da filosofia, das religiões, das universidades. é um signo de mestres, de sábios, de juízes, dos implacáveis, de reis que festejam a estranha mania de ter fé na vida. se o Leão é o rei da floresta, Sagitário é o rei que veio do estrangeiro, rei dos guerreiros de espírito e fé. Sagitário, como Xangô, pega a coroa e coloca na própria cabeça. e tem, com isso, todo o mérito de conhecer que tem a dignidade de quem a tem.

se Escorpião mostrou que há algo do lado de lá, Sagitário vem entender o lado de lá de uma maneira menos profunda, menos pesada, mais ampla e entusiasmada. Sagitário também lida com o "outro", não no sentido da alteridade libriana, ou da coletividade aquariana, mas no reconhecimento de que há muitos outros possíveis: outros estrangeiros, religiões, pensamentos filosóficos. mesmo assim Sagitário não escolhe pelo arbitrário, mas pelo que faz seu fogo interior e vibrante, vibrar. provavelmente estou exagerando, mas acho que Sagitário é o signo que lida com as noções de cultura.

Sagitário é o signo que levanta o dedo pra chamar o outro daquilo que ele é: radical, inconformado, intransigente, pouco detalhista. Sagitário amplifica os entendimentos que Gêmeos, com sua curiosidade por tudo e Virgem, com seus critérios minuciosos, não alcançaram. se Sagitário esmaga com seus cascos as pequenas flores do caminho se posicionando com a brutalidade das patas, é pra melhor mirar o alvo das suas flechas bem atiradas pelo refinamento das suas mãos.

é curiosa a quantidade de vezes que as imagens que representam tal centauro mostram sua parte humana atirando uma flecha no sentido oposto ao que seu corpo de cavalo se direciona. penso que isto fala do aprendizado constante que a pessoa com ênfase em Sagitário tem de lidar: dar mútua alimentação ao seu instinto e ao intelecto. quanto mais alimenta seu instinto, mais Sagitário reconhece que a aprendizagem se dá pelo corpo; quanto mais entende filosoficamente a vida, mais animal a pessoa de Sagitário se torna. animal-humano, Sagitário alimenta-se de conhecimento e galope.

corpo & espírito são uma mesma coisa e a verdade é que Sagitário atira muitas flechas sem se preocupar se alcançou ou não o alvo. o alvo? é só um vulto que Sagitário deixa pra Capricórnio verificar. pra Sagitário é mais importante o caminho que a flecha faz até o alvo, o caminho de si mesmo a viajar pelas densidades da experiência, do que os objetivos fechados, o alvo rígido não interessa tanto como o que se aprende na sua conquista.

se Sagitário é signo do entusiasmo, lembre-se do velho sentido da palavra: estar entusiasmado é ter um deus em si.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

minha vida a décima maratona de bom Jesus do auxílio nosso 
e depois de corrida a décima logo a vigésima também 
e mais tarde todas as que convém 
vida.
entre uma maratona e outra dormir dormir dormir e quando tiver dormido o suficiente dormir mais e passado o horário dormir mais e de novo também again. é esta a técnica.

domingo, 15 de novembro de 2015

como se escreve amor, como se escreve rigor? alguém sussurrava enquanto eu tentava entender o modo como a alga dentro do aquário gigante tinha sido plantada? era do mesmo modo, seria assim pelo gesto tão arbitrário quanto incisivo: eu voltaria: a escrever. toda superfície será colonizada pela respiração da minha pele, eu incendiarei os calendários pois não deverei nada ao esquecimento,

quando não souber mais o que perguntar dobrarei duas vezes uma mesma esquina, subirei os montes dos montes pelos montes e através dos montes com você do meu lado, me mostrando como se escreve a mesma palavra que me perguntaram os ouvidos sensíveis: como se escreve amor?

— sentindo, eu respondi.

porém alguém em mim entendeu: "sentido" e se sentou na necessidade de ter razão. sentia-me puro fragmento, mas não estava perdida, estava em frangalhos com os pés longe do chão, com os pés muito fora do suficiente. como se fugisse. e nesse fugir, se desgastasse.

pois havia uma órbita, havia um eixo: tantas vezes o mostrava com as palavras que havia voltado atrás pra ver o outro lado, atravessei a fronteira pra ver se de fora do eixo as coisas continuavam confusas. e continuavam! mas como era necessário agraciar o caos, nem que fosse para, depois, recuá-lo — sem nunca o recusar.

de tão aceso o turbilhão se desmontou e fez rigor.
foi assim que nasceu a minha voz.
dizem que uma pessoa, um escritor, quando está em seu caminho, tem uma experiência ritual da coisa toda. uns precisam chutar uma pedra pra terem aquilo a que outros vão chamar de "insight", a caneta exata, o papel de um guardanapo, dias mais dias viajando, chás, cocaína, béques, música, silêncio, máquina de lavar funcionando, dieta de carboidratos, lerem textos acadêmicos, lerem os jornais, uma casa no campo, a brisa do vento, etc. antes de escrever eu? passo perfume.
como é bom não ter o rabo preso com ninguém.
quando eu era criança e meu pai me ajudava a estudar, sempre que n'algum texto aparecia qualquer coisa que se dizia "nossa" como "nossa história", "nossa literatura", meu pai exclamava em voz alta, muito bravo, "ora essa, nós quem, cara pálida?".

eu perguntava o que ele queria dizer com isso e ele me explicava só que eram os índios em filmes de western que falam assim e que os índios terminam todos assassinados, que não sobra nenhum índio pra contar a história.

demorei uns anos pra entender que qualquer pessoa que fala por "nós", no limite, é capaz de nos assassinar no primeiro momento em que o "nós" não for como o dela.
 
bom, mas eu mesma também sou assassina. está na interpretação do meu mapa astral, posso até escanear documentos, manuais que comprovam isso. não sou eu que estou dizendo, também nasci pra renascer índia, foi o que me disseram tantos desde que aqui cheguei.

às vezes eu acho o mundo um grande cara pálida.
deixar-se lamber pelo ouro da espécie, é uma virtude difícil nesses dias baços. entrei na nuvem do meu baço. ontem tive certeza de que minha avó estava do meu lado. tenho, faz anos, observado os velhos na rua. são presenças tão vincadas, sempre. a idade, em si, é como a infância, uma entidade.

e hoje no que eu pensei? que está na hora de começar a escrever ficção. mas estou nos gêneros da biosofia, sonhoplastias, paracurandeirices, parametafísicas, paratodos. haverá ainda algum ritmo nessa escavação, quer dizer: há. de tanto bater martelo, ou entrar num fundo de lago e ficar lá dentro, como quem se entristeceu demais.

há um mergulho no tão-lá, o escuro, que me ensina demais. vou cada vez menos vezes até este lugar-de-mim, mas é preciso conhecer o próprio abismo e polir sempre o candelabro que o esclarece.

*

ontem folheando livros numa livraria, notei que não exagero ao considerar que uma desatenção é uma prática editorial de poesia tão recorrente nesse país.
a corrente existência de edições de poesia que não contemplam nos seus desenhos gráficos as quebras de verso & inserem assim aqueles colchetes, chaves, ou só uma quebra que-aparece-sem-querer me dá vontade de fazer versos tão extensos que eles não caibam nem em um colchão deitado.
não sei se é só desatenção ou é falta de consideração

parece que x poeta estava engasgadx
quando aquela palavra vai parar lá embaixo
fica parecendo que estava com soluço o verso
(alguns têm mesmo, soluços, engasgos
raros fazem disso um estilo,
de fato)
a palavra que era de cima, lá embaixo
intrincada no meio, perdidona na parada
desintencional.

pra mim, quando abro um livro
e os versos foram partidos assim
sinto que aquela editora me engana
como se me vendessem um disco riscado.
dinheiro? bem, estamos falando de poesia.

que isso fosse feito quando os recursos de formatos editorias eram escassos, difíceis, eu compreendo e acho até bonito folhear uma obra completa de, sei lá, drummond pela josé olympio e a quebra aparecer lá, por necessidade mas, hoje em dia...

ou é método de facilitar o correr os livros pras máquinas de imprimir (não será esta uma das questões fundamentais da literatura contemporânea?), ou é preguiça editorial, ou é desrespeito com o texto, ou é falta de escrúpulos estéticos. ou é só falta de ouvido no olhar, mesmo.

*

6
vou escrever o número seis para que renasça em ano que vem,

for a thousand years

os familiares ao redor
fazem grupos de chats
em duas ocasiões:
morte de parentes
atentados terroristas

fazermos em ocasiões
menos mórbidas
significaria perder espaço
o espaço das nuvens
névoas garças

em ferragens desenhada
a linha cartesiana
que foi traçada
digo, barthesiana
em nossos berços
a liga católica
quero dizer
iluminista errei
eparrei! a macumba
minto a filosofia
dos ateus perdão
a pátria não é problema
tem pra todos
nesse panteão
de ninguém

*

como prova de fé
no que virá
eu tive que depositar
lentes de contato de ferro
num pote oxidado
enquanto dormia

eu que não uso óculos
que enxergo tão bem
tendo que arrumar os olhos
como quem limpa
a prataria
pra ver no reflexo

foram dias de desova
quando morreram
todos os peixes
de duzentos rios
comeram metal

eram dias de certezas
mataram os vivos
em duzentos países
com chumbo grosso

chamado balística
digo, bolsa de valores
minto, fundão da escória
bobagem, inércia

o ocidente está desolado
o oriente está desolado
no cérebro
no aeroporto
na recepção
o hemisfério está descolado
o corpo está enterrado
os pólos não param
de girar

o mundo
um buraco
grande

o mundo
este município chamado buraco grande
engoliu-se e se vomitou todo, cansado
e por baixo da terra, cantando
o mundo

uma lavadeira clarividente
na beira da água
batendo roupa
que de tanto bater
começou a dar em visões
de um grande amor
vindo do futuro
só pra nos dizer:

o nada está entre vocês
e por vocês
reiificado: o nada
está.
dia desses respondi uma enquete organizada pelo Tarso de Melo.
as respostas: aqui

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

criar raízes é o mesmo que fazer órbitas

dois entusiasmos se multiplicaram e quando se sintonizaram ao acontecimento descobriram a lei do cosmos sem lei: a transformamutação. eram mamutes, conhecidos pelo nome de "amor". alguns desconfiavam da sua inexistência entre john & yoko, eu pensei: "4 letras", tudo que eu disser daqui pra frente poderá ser pensado em 4 sons. isto formará um quadrado que demolirá os círculos que irão tomar o céu: foi assim que nasceram as órbitas.

esta noite sonhei com uma grande gameleira.
uma mulher dava uma volta ao redor dessa árvore.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

escorpião

Sol e Lua estão em Escorpião. amanhã é lua nova, e eu tento cumprir o que prometi pra duas amigas: escrever sobre este signo, que dizem viver em cio, mas que na minha experiência é fecundado por ser o cio oposto ao cio primaveril que é Touro, isto é, Escorpião é o terreno já pantanoso, em que o cio descobre que é fecundo pelo seu fim.

eu entendo Escorpião como o signo que lida com quase tudo que a singularidade humana não sabe muito bem o que é, seu limite e sua continuidade: a morte, a herança, o sexo, o ódio, o poder e, no limite, o dinheiro. pois são formas de transformação, meios de transição entre uma coisa a outra.

é o signo da dor também. naquele seu jeito de dizer equivocado, a internet diz que foi Drummond, que era do 31 de outubro, quem disse: "a dor é inevitável, o sofrimento é opcional". Escorpião vive a dor como um veículo da própria potência. seja sofrendo-a e ficando destruído pela fascinação que sente pelo próprio veneno, seja utilizando o veículo da dor, a dor como meio de reconhecimento de que algo não está tão purificado como deveria estar, e assim: transmutar.

pelo que já percebi deste signo, se é o signo do segredo, é também o signo que, se não assume que é violento, sexualizado, poderoso, torna-se auto-mortífero. seja se colocando em escândalos pela facilidade de achar que tem o controle de tudo. seja achando que tem que ter o controle de tudo e assim não permite nem a si nem aos outros, nada. obsessivo e obcecado.

mas há uma outra via, mais inteligente. pois quando assume a violência, vira um estrategista, muitas vezes um pacifista, porque sabe quanto custa morrer. quando assume o sexo entende que ele se trata de uma ligação de mutação total, de um poder no outro e em si que na fusão vira um, e escolhe o sexo que quiser. quando assume que é poderoso é lúcido, paciente, vigoroso.

é o signo que aprende/ensina a necessidade de mergulhar num poço, onde a primeira camada é de água podre, a má água da mágoa, a inveja, o ressentimento, tudo que é podre e que Virgem não conseguiu, por sua natureza mental, limpar, e Libra não pôde medir nem mediar. Escorpião vem trazer a morte do abstrato, do fabricado, do racional, justamente porque é preciso entrar em contato com o denso, o irracional, o emocional.

o mergulho no poço são os processos de crise, mas se Escorpião fica nessa primeira camada do "podre" perde muita experiência na vida, pois quando atravessa essa primeira camada de água velha, Escorpião descobre que uns 90% do seu recipiente-poço-inconsciente é água cristalina, gelada e iluminada, ao mesmo tempo. água nova que é divina & dignifica.

tem gente que morre de rir quando eu digo que Escorpião é um dos signos ligados à pureza, ao límpido. morrer também, deve ser tão depurado em luz. ou trevas.

luz&trevas
sendo a mesma coisa, aliás.

Escorpião é água fixa e eu às vezes o vejo como um sabre de gelo, iluminado cristal por onde a luz atravessa e reflete, ao mesmo tempo.

"se a água fica suja a luz não a atravessa", ouvi uma vez dizer um xamã que tem o Sol em Escorpião no mesmo grau do meu Saturno.

domingo, 8 de novembro de 2015

ouro preto

um pé de dracena e um bambuzal
meus sonhos
as fissuras que o medo traz na gente
noite dessas sonhei com lentes de contato
estavam oxidadas
quer dizer? tenho que olhar de novo
olear de novo.

meu pai me disse que Fitzgerald também foi pisado pela sua época
e que será de mim?
papai sempre sabe me dizer algo que não melhora, mas liberta.


quanto mais eu ajudo os outros, os escuto, leio seus mapas, menos eu penso em mim como um problema, uma questão, me esqueço, vivo somente

assim é quando escrevo. também.


estou ficando treinada em olhar para as pessoas e saber quem são pelos fundos de olhar. existem pessoas presas em

nuvens, hoje vi um raio de fúria, vontade de violência não cometida, e uma
vontade de olhar para outra coisa em um rapaz, e outro com lábio leporino ficou meu amigo, existia uma espécie de anjo na camiseta branca dele, os anjos & as suas espécies também moram em alguns (poucos) olhos


existem coisas mais fáceis de ver que outras - - -
dormirei para saber.

sábado, 31 de outubro de 2015

era mais fácil escrever
minha vida em 3.000 caracteres
quero dizer
a vida cabe num verso só
e depois descabe
e depois volta a caber
de tanto descabido.
quando tenho limite de caracteres para escrever
me sinto como a criança que montava lego
e nunca conseguia sair
de uma forma básica
que não encaixava na outra
porque o lego nasceu
pra boiar na banheira
ser comida de monstros
sei lá
meus edifícios sempre caem
não nasci pra levantar
desconfio
que mergulho pra voar

sábado, 24 de outubro de 2015

entrei aqui com a sensação de que não escrevia por aqui desde o século XIX, mas acho que ele ainda não acabou. acabou foi meu rio, que secou. é uma pedra na mão de alguém, uma pedra de luz descendo pela garganta & engolindo existe mundo inteiro.

se eu soubesse fazer a apreciação do que não existe
gastaria à toa a força da minha saliva 

esta semana foi curiosa a minha voz baixou
meu escorpião encalacrou
e hoje me vi quase rouca
o tempo se dizendo por si mesma

o treino, o treino
o treino, o treino

é curioso que antes de começar a treinar eu já sabia que não tenho disciplina, é essa a verdade nos olhos do mestre. eu, que nunca tive um mestre, eu treino. mas dessa forma irregular, mais fonética do que disposta ao prévio, dando saltos de entendimento porque a poesia...

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

hoje eu estava voltando de um dos mais inglórios acontecimentos da minha vida de poucas aventuras, quero dizer, eu voltava a pé do dentista, com a boca anestesiada, quando duas mulheres saindo de um restaurante e, certamente no horário do almoço, passaram na minha frente.

andavam lentamente e nem notavam que eu queria passar, com aquela lerdeza de quem já almoçou e eu me adaptei pelo cansaço e fui atrás, afinal não poderia mesmo, tão cedo, comer nada. diminuí o volume dos fones pois percebi que uma parecia estar apaixonada e contava para a outra como isso era sensacional. mesmo anestesiada, achava que era sempre bom ouvir por alguns segundos alguém falando de amor. até que a menina que estava apaixonada disse:

— ele é maravilhoso... não sei nem explicar... ele é normal! sabe?

pensei ter ouvido errado... mas ela disse mais uma vez:

— normal!

eu achava que só o excepcional era motivo de ternura. os poetas que li estão todos errados. me cocei de vontade de cutucá-la e dizer: "te cuida, minha filha, ele é um serial killer". até pensei que isso seria um péssimo sintoma social. mas pior mesmo foi passar as horas seguintes pensando quem é que eu conheço que poderia ser tão tedioso a ponto de, facilmente, ser chamado por outro alguém de "normal".
demoraram alguns anos e muitas viagens mas três traços que a universidade imprimiu no meu pensamento já se apagaram quase que completamente, feito xerox velho: o hábito de ser tão analítica até descascar tudo até o grau zero do sentido e ficar lá perdidaça //// um sistêmico posicionamento da linguagem como a clave da partitura da experiência humana toda & o o old and old and old cartesianismo espiritual, digamos

domingo, 4 de outubro de 2015

hoje até para o deus da coca-cola eu apelei & os carregamentos de esmeraldas não param de chegar & cheguei no final da linha de tanta mandioca frita e assim terminei meu novo livro.

já tinha algumas vezes achado que o livro tinha acabado, mas eu estava sempre enganada porque era eu que estava tentando acabar com ele. é um livro que foi todo escrito em alguma espécie de transe, seja através de plantas, seja através da música, ou simplesmente da audição das esferas. foi sempre um livro luminoso/severo e exigente/purificador de se escrever.

eu quis dá-lo como pronto, porque eu queria fazer outra coisa, mas não era bem eu que decidiria: hoje foi ele que acabou comigo, como se dissesse: você já não tem nada pra me dar. sinto-me esgotada. mas é bom, porque eu preciso mesmo de espaço pra me tornar outra.

bem me lembrou o meu professor do animal que um poema é e o livro se foi como um animal alimentado o suficiente pra, entre trôpego & temerário, sair do cativeiro e voar pro seu céu e cair em seus buracos. seres vivos, mais do que livros eles são livres.

tem muita gente que comemora isso como êxito, talvez, mas essa liberdade me deixou sem nada, às vezes acho que a assinatura que vai na capa de um livro é uma espécie de compensação material pra ausência de nome que terminar um livro me causa. romper com um livro tem me significado largos períodos de silêncio. acabar o livro é um alívio que entra numa nuvem de achar que nunca mais vou conseguir escrever algo que eu goste por não sei quanto tempo. até o animal, o besouro, o cavalo se aproximarem de mim novamente; ou talvez seja mais uma samambaia que algum outro esqueceu num canto como se nada fosse e que cabe a mim regar.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

esta noite sonhei que eu e minha amiga estávamos num saloon no velho oeste e tínhamos que aparentar que éramos muito perigosas, já que os homens ao redor realmente eram. então minha amiga foi até o balcão e pediu uma bebida poderosa, era um refresco que entre 10 ingredientes misturava água das pedras, canela, hortelã e areia, e vinha com um canudinho borrifador de spray na ponta de um tubo de dois litros do refresco.

ela tentava beber rapidamente, afinal iríamos atravessar o deserto numa moto. e perguntou "quer provar?", eu abri a boca e ela então borrifou os dois litros dentro da minha garganta. engasguei e rindo, perguntei "por que você fez isso?" e ela, bem prática, respondeu "porque tinha que acabar, uai".


saímos do saloon e encontramos a nossa moto, que nos levaria adiante pelo deserto. a moto tinha uma placa de identificação meio bamba, mas ainda pregada nela e na qual se lia: ANSIEDADE ABANDONADA. acordei com o despertador tocando fazia já uns minutos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

entender é uma forma de alegria & estou contente que nos próximos dias me dedicarei a escrever poemas, cuidar de mim, receber uma safra de esmeraldas, verei um bom amigo, duas terapias, duas alternativas que se somam, sonharei com serpentes e beija-flores e de manhã não saberei o que está realmente acontecendo.

a palavra "realmente" foi das coisas que mais mudou em 2015. houve um momento que não conseguia escrever 2 letras em contiguidade sem errar e criar um ruído, uma, ruptura, entre elas. pareceu cansaço, mas o cansaço também pouco mais é do que a brisa que antecede o raio.
ontem quando cheguei em casa cortavam as árvores do vizinho. a companhia de energia elétrica e a companhia de engenharia de tráfego agindo em conjunto decepando radicalmente o que anda derrubando o funcionamento dos faróis do cruzamento.

lembrei-me da Julia Panadés numa das reuniões de pauta aberta que tivemos no Baldio chamando atenção pro fato de que as árvores urbanas ganham formatos impressionantes por conta das podas absurdas. desde que a Júlia falou isso eu nunca mais olhei as árvores das cidades da mesma forma. é impressionante como elas tomam o caminho de crescer em respostas possíveis à nossa brutalidade. desviam, se refazem, são pulmões que se ramificam por onde der & vier. 



depois me lembrei das ocasiões em que meu pai queria assassinar os cortadores de árvore da prefeitura de Cotia que passavam, sei lá, uma vez por ano, e podavam as árvores da selva que meu pai plantou no canteiro da frente de casa. os caras cortavam o suficiente pra que não precisassem ir lá durante um bom tempo. metros e metros de árvores abaixo. e quando eu digo "assassinar" é claro que não estou brincando e também é claro que bem se sabe como as pessoas de letras costumam assassinar as outras: com grandes argumentos violentos, pensamentos ramificados e juras que na materialidade das coisas quase nunca se cumprem. somos os lúcidos ingênuos de sempre. mas a cada ano entendo mais as vontades que meu pai vive de assassinar as pessoas que mexem descuidadamente em outros seres vivos.

ontem foi bonito de ver que a árvore do vizinho se intrincou tanto nos fios elétricos que era impossível cortar um galho dela sem levar toda a rede elétrica abaixo. não cortaram. é claro que isso um dia vai fazer o poste cair e passaremos muitas horas sem luz (e poderemos ver a noite que existe na noite E podermos ver a noite que existe na noite). se eu tivesse um carro talvez me preocupasse com o trânsito que isso vai causar, mas como morro de medo de dirigir, estou a pé. se estiver trânsito eu farei o que eu faço: andarei, escolhendo as vias mais arborizadas possíveis. até mesmo pra que eu possa aprender com as árvores, de tanto observá-las, a como responder às nossas brutalidades.

mas também há certos toques de gênio: na frente de casa havia uma paineira que, por ser propriedade da União Federal nunca ninguém encostou um dedo nela. e embora o google street view não mostre mais a selva da frente da casa em que cresci (aliás, será que alguém tem foto da frente da nossa casa antes de a "urbanizarem"?), a paineira ainda está lá, mais alta do que nunca, atravessou os fios, os brutos, as eletricidades & lá em cima porque é desde aqui debaixo a paineira está. e ela é. as plantas são mesmo como outras línguas, não separam o ser do estar.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

acordei cansada e meditativa.
quando estou meditativa é sobre um tapete
que é sempre um ramo de dinamites.
soube que o outono chegou em Lisboa
e pela primeira vez em anos fiquei muito feliz com isto.
também pensei algumas vezes, cheia de ternura
que uma coisa que nunca entendi nos homens
é como eles conseguem viver sem menstruar.
embora o bafo das janelas nas ruas
o frio ainda vem de dentro
como se alguém tivesse esquecido
o armário aberto.

domingo, 13 de setembro de 2015




é domingo.
você que está se sentindo
múltiplo e desastroso
amante do futuro inconstante
em dúvida de se é louco navio
ou crescimento ascendente
ébrio caminhante confiante
que tropeça e mergulha
não sabe se na saúde ou na doença
se consegue escolher
método ou caos
confusão ou relaxamento
sua colher não entra no pote
você que passou os últimos dias lidando com seus vícios
caiu novamente feito uma abelha no pote de geléia
é só isso
é só Júpiter em oposição a Netuno
nesses dias
honey o inefável
é de lamber com os dedos.
seja ícaro
ou seja herói
cair do baixo
é que não vale.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

saturno em escorpião

outubro de 2012, fui de madrugada ao banheiro branco da casa que morávamos em Lisboa e meio dormindo vi um cérbero azul luminoso ao meu lado. luminoso de escuro. era de pedra e era transparente, brilhava & era discreto. uma fera, uma carranca, era um cão na entrada de um palácio, só na manhã seguinte quando abri a internet eu soube que Saturno havia mudado de signo. Saturno tinha entrado em escorpião naquela madrugada.
novembro vou a uma cerimônia de ayahuasca e danço com as mãos. cerzindo meus órgãos a minha mão é a minha mão mas eu de imediato sei que esses são gestos que sobraram do corpo do meu avô no meu. uma experiência dele atravessou uma geração e de repente tenho acesso a ela. 
resolvo escrever um romance que irá se chamar "a história do meu avô". vejo a história inteira numa noite. quando a tento escrever não consigo.
janeiro de 2013 defendo meu mestrado. viajamos para a Bahia e eu escrevo um ensaio sobre "herança".
algures entre março e abril um xamã canta para mim o seu/meu ícaro. acho que nada está acontecendo. aparece um iceberg na minha visão, um iceberg entra no meu horizonte. gigantesco. eu tento atingir com o olhar o seu topo e demoro a conseguir focar o alto. quando alcanço do alto abre-se uma labareda de fogo nos céus & que como uma lâmina atravessa o topo do iceberg. a língua de fogo que vem do céu abre o gelo em dois. o iceberg derrete pelo meio. 
abril de 2013 lanço o "poemas do destino do mar" em Lisboa.
fico muito doente no início de maio. sigo um conselho do meu irmão ariano e tomo um chá de alho com limão pra botar pra fora. boto tão pra fora que minha cabeça arrebenta de dor, meu corpo de febre, e eu tenho uma alucinação de que estou com a cara enterrada num cemitério onde estão enterrados todos os meus antepassados. minha cabeça dói porque tem os ossos dos meus antepassados.
não sei se é gripe ou alergia ao pólen mas o que estou não acaba. passam dias e nada resolve, vou numa cerimônia de ayahuasca e continuo resolvida que vou botar aquilo pra fora. não percebo que fico fazendo esse gesto de vomitar logo depois de ter pensado no que seria a natureza do "eu". o sol estava no signo de gêmeos e eu vomitei, sem perceber, um pedaço da minha identidade. 
dias e dias e mais dias e mais dias e mais dias sem conseguir fazer nada. Saturno conjunto a conjunção de Marte e Plutão do meu mapa natal. só consigo fumar maconha e não fazer nada com isso. não escrevo, não penso, sinto medo e não sei nem que eu preciso de ajuda. sinto como se os traços do meu rosto estivessem dez centímetros descolados da face, como se o meu rosto me pertencesse mas estivesse mais longe, talvez eu tenha deixado de ser titereira das minhas expressões. mas eu não sabia descrever nada na altura. minha sensibilidade tinha desaparecido.
lanço meu livro no Porto. num almoço com uns amigos, um rapaz cozinheiro tradutor de Victor Hugo e afilhado de uma mãe de santo da cidade de Mariana (MG) me recomenda chá de flor de sabugueiro com tomilho. em cinco dias tomando fico bem. axé!
início de junho vou a Barcelona ler meus poemas. aquela que nasceu da flor me leva pra uma cerimônia no campo. o curandero conversa comigo antes, me olha e diz "o que acontece? você é valente mas não está?", eu digo a ele que é verdade, falo com uma clareza vindo do meu mais fundo de mim que eu nem sabia que estava pensando. digo pra ele que preciso de pouco. dentro de um tipi com uma roda de fogo no meio eu percebo que a minha face está levantada do meu rosto. percebo que estou fora de mim mesma quando olho na palma da minha mão e vejo um bosque escuro. resolvo que só sairei quando o fogo tiver purificado as minhas mãos. toda a minha energia vem do coração. puxo, literalmente, com gestos voltados para cima do meu corpo deitado, puxo aquela vinda de mim mesma até o lugar onde eu sou eu. 
no dia seguinte escrevo para o meu psicanalista contando um sonho que tive meses antes e que falava de inércia e medo de crescer. para a xamã que cuida de mim escrevo falando que um pedaço de mim estava fora de mim. ela fica atentamente preocupada e me diz que da próxima vez tenho que ir duas vezes seguidas. 
começo a ir duas vezes seguidas, marco para dali poucos dias. na cerimônia o seu marido xamã quando canta seu/meu ícaro para mim vomita enlouquecidamente. no dia seguinte ele me faz entender em francês que retirou um véu de cima de mim e que ao abrir viu uma fila de antepassados querendo falar comigo e que quanto a isso ele não podia fazer nada: só eu poderia saber o que tenho que lidar com eles.
percebo na manhã seguinte que passei meses usando como colar um amuleto do museu de etnografia português, de xisto, quando procuro na caixa de colares encontro a embalagem com a informação "paleolítico // amuleto de conexão com ancestrais //". paro imediatamente de usá-lo.
note-se: em momento algum desta narrativa eu entrei em pânico.
continuo tentando escrever "A história do meu avô". 
vamos ao Gêres no fim de julho. início de agosto, voltando para Lisboa, penso em romper com tudo que tenho mantido em silêncio. no dia que a retrogradação de Saturno acaba e ele estaciona no grau oposto da minha lua em Touro tudo que pressurizei é dito: é chegado o momento da crise: é pegar ou largar. ele agarra. dias depois me pede em casamento numa manhã em que estou no sofá com cólicas menstruais e ainda nem tomei café. aceito.
faço a primeira purga de tabaco da minha vida. 
faço a segunda purga de tabaco da minha vida.
na terceira é outubro e vejo no fundo do balde a palavra NÃO. foi-se embora qualquer dúvida. no dia 19 nos casamos. no fim do mês lanço "O túnel e o acordeom". 
ouço "Alucinação" do Belchior o tempo todo.
novembro Saturno que atinge o grau 14 de Escorpião & no dia que Saturno encontra o meu Saturno dá um beijo de língua em si mesmo e eu escrevo o primeiro poema de "Seiva, veneno ou fruto // A casa dos nietzscheanos" — : "Voltar a estudar, não sei // mais compor meus poemas. Que alegria! Pela estrada voltar a fumar (....)". saúdo o retorno! sinto medo! o tempo todo! e me sinto a estrutura do meu mundo nos meus ombros. 
tento o ano inteiro escrever "A história do meu avô".
passam-se meses na logística da mudança. invento a playlist "exorcizar tristeza". danço-a todos os dias. meu computador quebra uns dias antes da mudança, perco meu HD e tudo dos últimos 8 meses. em janeiro chegamos no Brasil. faço aniversário com Marte em quadratura com o meu sol até então não sei o que isso significa.
março vamos para a Bahia. Netuno conjunto à lilith. fico surda. fico 20 dias surda. sinto medo medo medo medo medo. vejo coisas tendo ler as minhas. acordo dois segundo antes da entrada de alguém na nossa cabana, acordo ele ao meu lado, ele também vê um homem lá fora, eu grito com voz de macho e o ladrão foge. emprestam-nos uma cadela para nos proteger. Domitilia Pelegrina, a cadela, está grávida. uma noite a luz acaba sem previsão de voltar. nessa madrugada a cachorra cai da varanda e quase morre sufocada com a própria coleira. é ele que acorda com o barulho e a vai salvar. no fim da viagem os donos da pousada convidam-nos a voltar para cuidar dos cachorros e das casas enquanto eles estiverem fora. primeiro digo não. só deixo de estar surda ao ir a um pronto socorro em Lençóis onde quase estouram meus tímpanos com éter quente. 
a chapada de Diamantina é o lugar mais bonito em que já estive na vida. no fundo, estou cansada.
voltamos para São Paulo. vou beber ayahuasca no sítio. algumas vezes. decidimos ir aceitar a proposta.
em maio Saturno inicia a retrogradação. em maio vamos para a Bahia. Pelegrina morreu poucos dias depois do parto. temos 5 filhotes de cachorro de 10 dias pra cuidar, sem a mãe. temos que amamentá-los de três em três horas, mantê-los quentes mas não juntos, pois juntos eles se mamam uns aos outros e se perfuram e se se perfurarem os bernes tomam conta de tudo. o Coragem quase morre, eu chego a torcer numa noite para que ele morra de tanto que ele agoniza. uma hóspede resolve cuidar dele e consegue salvá-lo com reiiki e a ajuda do namorado farmacêutico & dos antibióticos, claro. salvamos as cadelas, trato a sarna do Fumaça, recebo hóspedes. aprendo o prazer que é simplesmente cuidar das coisas pra que elas fiquem bem vivas.
bebo o chá algumas vezes. acho HAHAH que sei o que estou fazendo metendo uma criança de 4 anos num tiroteio.
fins de julho Saturno retoma o movimento direto. 
nalgum lugar do mês  ir a Portugal fazer um retiro. dou um pulo em SP e vou para o Algarve no final de agosto. passam-se dos dias mais preciosos da minha vida e as noites sinto medo medo medo medo muito medo. no dia seguinte do fim do retiro o medo desapareceu e desde então, o medo que mais tenho desde criança, só o vi 4 ou 5 noites em um ano inteiro. passo vinte dias em Lisboa. é calmo, é bom viver, é tênue. sou também eu planta. lanço a plaquete "A casa dos nietzscheanos" no Porto.
volto para São Paulo. entre muitas outras coisas começo a ler mapas astrais profissionalmente. mês que vem faz um ano. a memória aqui fica rarefeita porque é recente e se agita tão íntima que
não quero mais contar em público. além de marcar o evidente de que no último julho minha avó morreu num clarão & ela também tinha esse Saturno. nós? não entramos em pânico, vivemos da estrutura no lodo luminoso. as crises nos ensinam quem somos. descobri muitas coisas, poderia fazer mais sínteses, mas já escrevi, literalmente, demais. mais, talvez, do que eu devesse. na solidão do indivíduo aprendi a linguagem com que se comunicam. mas isso de falar demais é minha turma em Sagitário que eu vou ter a oportunidade de aprender muito bem quem são com a passagem de Saturno em tal signo nos próximos anos.
depois desta passagem de Saturno em Escorpião revelei isso a mim mesma: nada me interessa mais do que a intimidade & justamente por isso nada é de se preservar & usar, mais, ao mesmo tempo & com diferença. meu novo livro não tem um poema sequer que fale só de mim mesma como esse texto. nenhum uso do "tu" ou de "você" como estratégia de enredar emocionalmente um outro. nenhum poema de amor. meu novo livro fala da morte com uma lancinante paixão pela vida que está em tudo para além de mim. e eu quero terminar este livro antes de Saturno entrar em Sagitário daqui 7 dias. conseguirei? 
azul luminoso também é o deus hindu de pedra que vi. cheio de compaixão e frieza. te esperarei voltar! daqui 28 anos, espero que eu esteja & continue disposta a entender que o que estrutura dá o rumo. 












segunda-feira, 7 de setembro de 2015

ainda

calor sadio
alternativa o coração rio
corre dentro
corre fora
o córrego foi embora 

suspiro suo rio esqueço
meto águas no sofrimento
as éguas bebem sim
o tabaco limpa tudo por dentro
sou eu meu recomeço
escrevo pra soltar
o rumo vai desabrochar 

fazia muito isso quando era adolescente
escrevia pelo rumor o som um fulgor ascendente
só veio depois.
eu não conseguia dizer nada que tivesse sentido e som ao mesmo tempo
fortes 

depois a faculdade teceu a racionalidade dos textos
a faculdade de letras me ensinou a escrever, sim
porque nela eu aprendi a fazer sentido
escrever sobre textos foi um exercício fundamental
para aprender a escrever nada funciona além de escrever 
é por isso que eu treino muito

no fim da faculdade decidi que era isso que eu amava fazer
que eu sou isso
escrever 

mas foi só com a ayahuasca
entrando na minha vida
isso já deve ter uns dez anos
que consegui conectar
soltura gesto desejo tesão
ritmo esquecimento sentido
memória tradição vontade
inconsciente afirmação
& muita ambigüidade
& muita abertura
& muita canalização
nos textos

agora estou atrás também da medicina

divago abismo rito mito
preciso deixar disso e atentar ao não fixo
estou viciada nas formas que conheço
não encontro fórmula nenhuma onde não padeço 

curioso. curioso.
sempre reaprender para esquecer.
fazer para reaprender. 

eu mesma não me interesso muito mais
do que pela experiência
nas mínimas coisas 

você sabe por onde eu ando?
sempre pelas minimas coisas.

às vezes ainda não deixo os outros falarem
não enriqueci
não vou enlouquecer 

tenho mais tensão do que medo
entre meus rigores está a flexibilidade
o limite e também a aceitação 

sou muito grata por ter visto a morte
e também muito agradecida pela nuvem ter saído de cima da minha cabeça 

minha cabeça aberta pelas nuvens
enfurecida e calma

nos trinta e um ritmos que tenho no meu coração
jovem ainda o suficiente
espero que por muito tempo
ainda 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015


terça-feira, 1 de setembro de 2015

ontem à noite voltando do tai chi sentia que toda a velocidade em que eu tinha entrado tinha saído compartimentada pela continuidade do movimento de tudo e cada pedaço meu estava numa parte. a agitação virou fragmento. meu antebraço? um fragmento. só que minhas partes reunidas por cotovelos joelhos a vida e a morte. eu vinha andado na rua bem na parte em que os postes caíram e estava tudo escuro e tão raro dar pra ver a luz da lua nas coisas da cidade. nos fones o drummond começou a declamar "os ombros suportam o mundo" e eu achei aquele poema uma bobagem. nunca antes na minha vida eu tinha achado o drummond uma bobagem, fiquei por um momento pensando-o como um exagerado. pensei "nossa que cara nas trevas", "também não é pra tanto" e, afinal "que metáfora exagerada para o desespero do excesso de controle"... bem, hoje perto da hora do almoço fui fazer algum movimento com o pescoço e a tensão que eu estava na omoplata ontem a tarde Subiu e veio parar nos ombros. resultado: torcicolo. o drummond tinha razão, como sempre, "os ombros suportam o mundo", suportam a cabeça. o peso da cabeça não é nenhuma metáfora. carlinhos, seu outro nome, seu nome verdadeiro como a noite é perigo.
uns poemas do meu novo livro que ainda não saiu: aqui
já esta noite sonhei que eu estava no meio da revolução francesa, guilhotinas e agitações, fogos queimando alto e eu atravessava a revolução francesa dando uma aula sobre a revolução francesa na qual eu dizia que a unidade do eu é uma invenção moderna a ser descartada. e uma guilhotina cortava a cabeça de alguém ao meu lado.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

dois dias atrás eu tive um sonho que não tinha começo meio e fim, era um sonho cíclico e sempre se repetindo e ao mesmo tempo eram só episódios que não tinham consecutividade, mas aconteciam em paralelo, eu saltava de um cenário e acontecimento para o outro, ou talvez eu estivesse neles ao mesmo tempo.

eu estava, ao mesmo tempo, numa cerimônia que acontecia no porão de um navio descendo o amazonas; assistindo um documentário dos anos 80 sobre as fábricas de armamento nazista num cinema de poltronas cor-de-rosa; numa reunião da ONU em que duas pessoas faziam sexo na porta da sala de reunião.

sim, isto é a minha vida.
 
isto significa que não escrevi uma dissertação em vão, e também que tudo que ando lendo sobre mitos há uns anos tem realmente atiçado minha forma de pensar e isto já chegou ao subterrâneo das coisas.

e isto também quer dizer que tenho acordado todos os dias com cada parte de mim num lugar diferente & e para isto, meus amigos, hoje achei uma nova simbolização

a cada coisa que reclamava para a médica chinesa ela me respondia "é fogo. fogo alto". o fogo está alto, as partes se atiçam e agitadas que ficam em compor uma nova pessoa entram em atrito e causam inflamações, pavios curtos, euforias, agitações. todos nomes clínicos pra algo muito mais interessante do que isso.

*

a saída da linearidade, aos saltos.
o luto tem me ensinado que realmente não existe "superação"
existe é crescer como uma árvore que primeiro se enraíza, para depois subir.

*

darei frutos, sim os darei
hoje estava empacotando umas coisas pro correio e percebi que o universo de coisas materiais que já fiz no planeta (para além de comida) já preenche alguns centímetros cúbicos. fiquei capricornianamente feliz. 

*

ia dizer mais coisas, mas basta dizer que sinto que encontrei a prática que eu tanto desejei: tai chi chuan. anoto aqui pra quando no futuro eu ler eu me lembrar de quem sou agora.

mosaico

tenho perdido os conectivos
eu sou a dona do exagero
ele vive sem coleira
eu não, tenho mandíbula
ouvidos e repelentes

anda difícil lembrar as vezes o que veio antes o que veio depois
clarão foi tanto
estou lembrando das coisas em episódios
talvez um dia eu desfaça a linearidade
de vez

ou só estou amalgamando outra
sendo decorrente
o sono agitado
por muitos sonhos de quem não sonha
comigo mesma
ou a metamorfose

estou. estou. estou.

sólido é o vento que leva as coisas embora
que traz as coisas embora

profundamente.

entre hoje e terça serei cinqüenta mil e todas elas estão a fim de viver & de viver mais & de viver melhor 

saúde!

quinta-feira, 27 de agosto de 2015




hoje de manhã peguei um ônibus pra ir até o metrô que eu acordei cansada, tenho acordado cansada depois de um dia tão bom de afazeres como foi ontem e o ônibus era um ônibus do século XIX e eu não usarei nunca mais o facebook pelo celular e me lembrei que depois eu gostaria de dizer isso por aqui: que eu hoje estive num ônibus do século XIX e isso sequer existiu em SP. 

ou uns dias atrás 1 português me disse que SP não é uma cidade, é uma ocupação provisória de um parque de campismo & então eu estava pensando nessas coisas e tentando, de algum modo, me sentir de férias no meio de tempos que em nada se parecem férias quando uma menina falou pra outra, já dentro do vagão do metrô "é sério, eu sinto tesão em quem ouve beethoven" e eu pensei "meu deus, estou ouvindo coisas, vou ficar mais perto para ver se é isso mesmo que ela disse".

e era, senhoras e senhores, a menina de uns 20 e poucos anos (faixa etária que se tornou "os jovens" para mim faz bem pouco tempo, o que ainda me é completamente aterrador) dizia pra amiga que sente tesão em quem ouve beethoven. eu tive certeza nesse momento que eu estava no século certo e percebi que tinha saído de casa sem sutiã sem perceber e pensei que maravilha "não estou só ficando velha, estou ficando livre" duas coisas que, muitas vezes, se combinam naqueles que eu admiro.

aliás, dia desses meu pai não cumprimentou uma pessoa que eu me senti na obrigação de cumprimentar, eu não sabia muito bem o que dizer pra ele, que rapidamente me olhou e disse "estou velho, isto tem que servir para não cumprimentar pessoas arrogantes". meu pai também vive citando uma máxima de goethe que diz que os modestos são velhacos, mas ele só diz isso quando alguém não aceita repetir o prato de comida e, sobretudo, se alguém não quer comer a sobremesa.

é como as crianças acreditam: o melhor está no açúcar, mas tem gente que faz disso achar que a vida é cor de rosa. gente, acorda, a vida não é cor de rosa. mas quando dou chocolate pros meus sobrinhos comerem eu entendo porque no supermercado aqui em frente os chocolates ficam trancados num armário junto com as giletes e as garrafas de álcool caras, mas eu nunca entendo porque os desodorantes estão lá também. será que cheirar desodorante dá barato? as pessoas pensam em cada coisa.

o século XIX não acabou, agosto ainda é o mês de omulu e recomendo a todos que comam pipoca com os mais velhos & mais novos, que a carne desse planeta somos nós, vamos tentar não ser a praga, ok? e a última coisa que eu vou dizer nos próximos dias é que o maleável é o bagulho & como setembro vai inaugurar uma época em que o mutável será o ponto de questionamento & pelos vistos a palavra "crise" substitui a "recessão" dos anos 80 nas notícias televisivas da minha infância acabou que chegou o momento do Brasil investir na produção de chá de lúcia-lima. serião, faz a maior falta no coração dos nossos ânimos.

sábado, 22 de agosto de 2015

Os antepassados não nos imaginaram aqui
e embora nos esqueçamos deles com certa frequência
podemos visitar os seus túmulos.
Ou, no mínimo, podemos lembrá-los
saber que não estaríamos aqui sem eles
já o contrário não parece ser acessado.
O passado é menos incerto do que o que virá.
Quem poderia alterar o acontecido?
Haveria um deus capaz de apertar o auto-reverse?


*

Como epicentro o mundo
e as réplicas: nossos corpos
pela terra tragados em vagas.

*

nada se supera, tudo se transtorna.
ou o luto é um estado uma ilha crescendo à deriva e chegando ao continente
formando uma nuvem no alto das palmeiras das minhas omoplatas
as cadeiras foram feitas pra que eu me sente
as camas foram feitas pra que eu me deite
o amor pra que eu sinta falta
e tal sentir pra que eu me acostume.

os gatos parecem acreditar em outras coisas,
embora eles também tenham amigos imaginários
e saibam que não podem contar com botes infláveis.

*

houve um tempo que ao voltar pra casa eu pensava que ela teria se incendiado.
hoje estou mais de acordo com o que penso
compro montes de isqueiros por vez
e o fogo o interior sou eu ardendo.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015


entre os rituais do luto vive o cinema
— e no cinema vive woody allen:
tenho assistido muitos filmes dele —
nesses dias da senhora das nuvens de chumbo
quando muitos dias bate sol
eu sonho com uma nova casa
em que o quarto principal tem vistas para um deserto
e o deserto vive num cubo
& quando vier a chuva também nosso amigo
woody se perguntará
como sempre:
se há algum sentido em viver
além de um correr indistinto em direção
à indesejada das gentes?
& se a iniludível nunca tem ouvidos pra ninguém
de que adianta se perguntar em voz amiudada ou maior,
perguntar em voz alta
como acontece em todos os filmes do woody?
que em algum momento alguém se pergunta
muitas vezes diretamente para a câmera:
qual o sentido da vida?
por que a vida tem que acabar?
se vai acabar por que é que a gente tem que viver?
como viver vivendo o tempo todo esquecendo e lembrando disso?
e a gente ri que em alguém essa questão possa eclodir o tempo todo
virando cinema.
e então a repetição dessa angústia é engraçadíssima.
que dom! transformar a angústia em graça.
só a cura e a arte são capazes disso
e o menino que foi woody crescendo
numa casa embaixo de uma montanha-russa
nervoso & atento a tudo que fosse pensável
descobre que o universo está se expandindo
e no meio do brooklyn o menino não consegue fazer mais nada.
não quer ir à escola não quer fazer a lição de casa nem comer
porque o universo está se expandindo
qual o sentido de tudo?
se o universo está se expandindo.
meses atrás eu soube que hoje se sabe que o universo é finito.
e eu fiquei bem confusa com essa possibilidade de ali na frente acabar
embora seja impossível chegar até lá pra ver.
e tento passar agora os dias rindo com uns filmes do woody allen.
porque não quero ser o menino que cresceu embaixo da montanha russa.
também nunca quis ser menino embora eu queira ter graça.
quero ser é a montanha russa expandindo no universo finito.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

os últimos dias de Saturno em escorpião

angustiada com a escassez monetária ou a incapacidade de tornar o prático a ordem do dia a dia ou a busca da satisfação contra a melancolia em espiral já estava quando abri a janela pra ver com estes olhos o céu azul pardo desta cidade fuligem e pó e as estrelas pouquinhas mas suficientes e uma brisa sutil mostrou-se vital ao alívio --- e os gatos vieram me acompanhar no ver da noite tantas vezes senti frio ou quis o prático momento de pelo hábito enrijecer esquecer do fluido levar-se por ver a noite e os gatos cheiravam a noite como eu alguém gritou na rua longe um palavrão qualquer e que importava nada além de ser mais uma madrugada de domingo pra segunda quando no mundo todo é domingo e no domingo o mundo todo despenca. já eu, não, pois vi a noite. e a noite era viva e eu também. pelas estrelas enviei mensagens aos mortos que me amaram e quis abraçá-los pela ternura que me faltam. assim como das estrelas aceito a distância. que mais? não cai a lágrima cristaliza na retina. tenho saudades.

domingo, 16 de agosto de 2015

postagem

Conta-se que Jung e Freud ainda amigos, chegando na América viram do navio os que avidamente saudavam no porto as suas chegadas. Um olhou pro outro e disse: "mal sabem eles que nós trazemos o mal". Muitas vezes quando vejo algum oba-oba em torno de algum poeta lembro dessa cena primitiva da intimidade psicanalítica. Daí observo os escritos em questão & se os escritos da pessoa em questão não sabem morder o mal entre os dentes, seja como flor ou pavio, lareira ou túmulo, tal "poeta" não recebe esse nome, não é um poeta. É alguém que escreve. E tantos fomos alfabetizados! Mas se ficar só chafurdando nessas profundidades do terrível também não é nada mais do que uma mosca do lixo zunindo na podridão. Embora tenha um momento em que cada um percebe que é tão só uma mosca no lixo. Um momento, um agora. E nunca se está livre de, talvez, de repente ter que voltar a ser mosca. E há água limpa para jogar por cima do corpo e beber para dentro das vísceras e há luz para as plantas crescerem, a luz que aquece o planeta. Estar em toda permeabilidade, ser do raro, do vigor sensível entre o critério & a liberdade: ser poeta é ter a respiração mútua entre o momento e sua deriva oscilante, respirar entre o dia e a noite. Às vezes confundir-se com qual é qual e enovelar-se nas sombras queimar asas no sol e ao lembrar respirar fundo de certeza e se enganar numa percepção de que nunca mais vai esquecer de que o dia e a noite a terra e o mar o fogo e a água o bem e o mal a vida e a morte não são excludentes, embora sejam muito diferentes.

*

Alguém muito interessante poderia perguntar: mas o que é o mal? e talvez eu respondesse que é como o tempo na definição de santo Agostinho: se não me perguntam eu sei, mas se perguntam não sei. 


*

O poeta é um agenciador
agencia tão completamente 
que chega a agenciar a dor
a dor que deveras sente.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

P O E M A

Quando tiver forças voltarei
a escrever à máquina
para contar desses pés que vejo crescendo
à sombra de algo maior.
Alguém diria que são mudas frágeis
e embora este alguém esteja aqui dentro
eu diria que não são não
mas também não me mando calar a boca.
Serão o conhecer de uma nova estação
onde o coração ainda é o que importa
e tudo o que é vivo pulsa
na minha mão que o libertou pela janela
pulsa o beija-flor que prendi em concha
e que antes me olhou com minúsculos
dois olhinhos de ternura do ateu.
Ai da desavisada que puxando os brotos
para ver se as raízes já se fixaram à terra
interrompendo o ascender da seiva
verá a nuvem se esvoaçar em névoa
fazendo o ninho no rolar da fúria
e embora eu não tenha a sabedoria
sei que ainda falta muito
para que ela me visite.
Quando for a minha vez
talvez eu sinta medo
talvez eu vire assombração
mas talvez, não, eu
seja o clarão que vi.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

domingo, 9 de agosto de 2015

* "não há nada que seja previsto que ainda não tenha sido visto"
* "porque a gente sabia que só os absurdos
enriquecem a poesia"
* "ela faz o ninho do rolar da fúria (...) para quem vive e canta no mau tempo"

sábado, 8 de agosto de 2015

uns anos atrás quando a coisa apertava pro meu lado eu sempre ia ler beckett, achava (e ainda acho) que ali existe tudo que realmente existe. mas poucas coisas mudaram tanto na minha vida nos últimos tempos como a palavra "realmente" e, realmente, de uns tempos pra cá, quando a coisa aperta eu vou ler a "odisséia".

é claro que uma concepção de mundo é atravessada por outra quando uma mudança assim acontece. o novo mundo engloba, come e lança regurgitado de deuses e vitalidades & diversas o antes o durante o porvir. 

dia desses vou entrar aqui e escrever sobre o destino de ulisses ser um, mas estar traçado por disputas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

quinta-feira, 6 de agosto de 2015


eu tinha acabado de sair de um prédio e subia a rua vivendo uma série de revelações espirituais & oraculares enquanto o panelaço atravessava pelas janelas e sacadas, algumas até piscavam! estavam no ritmo veloz & cadenciado das coisas que eu estava entendendo, e as sacações pareciam palmas naqueles bateres de tampas, tanto que eu por um ou dois minutos me senti subindo o meu destino como quem atravessa o ritmo, ai pisando os passos: um caminho, o meu caminho nessa frente indo adiante, e um rapaz passou dizendo AI AI AI tsc tsc tsc pros habitantes de potentes caçarolas e e eu ri e eu ri e então eu senti aquelas panelas como telhas de cascos batendo subindo o asfalto desses tempos, e fiquei tão esmagada entre o meu caminho e as manadas desembestadas da história. nesse dia que, sem mais nem menos, a bomba atômica fez 70 anos de atirada.

a montada, o veículo, a nave

A noite leva ao dia
abandona suas origens
para se elevar aos céus.

Impetuoso é o desejo dos grandes relógios naturais.

Em pleno meio dia levado
pelo vigor da sua corrida
galopa às cegas
de olhos muito abertos
procura evitar os pânicos.

Mas à noite quando
por sua vez
se torna cego
pode então ser
visionário e guia.

passo a passo

não reconheço entre os meus mais que uma centena e me sento com a sentinela acesa, queimando rodopio, mas não sei quais insetos espanto e quais agrego: no sangue chupado, nesta necessidade de dizer "eu" e uma situação constante de subir para cair / de cair para subir. já faz tempo que aprendi a escrever por aqui sem pensar em muita coisa, sem me profissionalizar em nada, porque é isso, é isso, é uma liberdade não ser eficiente o tempo todo. o que é quase impossível. porque parar sem ter o que fazer é uma irrealidade, e ontem mergulhei no mar o único possível o real. o sentido da palavra realmente mudou tanto para mim em menos de um mês. acho que já disse isso por aqui. estou tecendo uma a uma em cordões e entradas as palavras feito grutas escavadas. desmonto quinze dias de tristeza numa só palavra que se diz: sim. não posso agora com muito. nem com muita alegria. ontem eu estive, antes de ontem também, estive visitada pela alegria e que força que beleza e que ressaca esse dia seguinte. não almejo a constância e nunca penso em termos de salvação, mas pé quente, cabeça fria, boas horas de sono, uma cidade menos poluída. almejo um dia entender o ar porque o ar tantas vezes por minuto é um dos sinais vitais.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

a memória é uma casa que se visita pra trocar as chaves. é uma noite de lua cheia que te leva para um lugar sem nome. um estado, uma viagem, um-todo-lugar, um desvio, um abismo, lareira e percurso.

meu mergulho.

ao entrar no mar me lembrei de um outro julho quando, era de noite, e minha Vó me deu uma prancha de surf vermelha. no dia seguinte ainda era inverno, estava frio, e era preciso estrear a prancha, mas o dia garoava solenemente. vovó não se deu por desperdiçada: embaixo de um guarda-sol, com uma capa de chuva e um guarda-chuva voltado contra o vento ficou lá da praia, me olhando, os minutos que eu no mar cinzento ignorava o frio e "surfava" nesse mesmo outro mar onde hoje mergulhei e mergulhei com gesto de homenagem ao que se vive e perdura em nós. pela memória sempre limpa, mergulhar. no sal. na cor. na dor. e no amor.


a memória é o mar - e vice-versa.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

neste ano que estão a me quebrar o sol ganhei um novo sol.
amanhã vou ver o mar
e é o mar da minha infância.

domingo, 2 de agosto de 2015

atenção para o refrão

Senhora soberana da escarpa rochosa em declive
em outros tempos diríamos: os deuses estão furiosos
hoje não sei o que dizemos.
Espatifamos as xícaras no chão
elegantemente não
esquecemos das mudanças de estação

Como epicentro o mundo
e as réplicas: nossos corpos
pela terra tragados em vagas.

terça-feira, 28 de julho de 2015

no tic tic tac

entre os acontecimentos desta semana realmente agora pouco me aproximei de um animal que se debatia contra uma grande janela de vidro. minha mãe é que me mostrou, e eu achando que era uma mariposa, a minha curiosidade se enterneceu ao perceber que se tratava de um beija-flor.

me aproximei calmamente dando a ele entender a minha natureza ou a natureza da minha aproximação. suave ele me olhou de volta sem agitar as asas, sem nunca pensar em me esconder ou mostrar qualquer coisa, ele estava ali e eu estou aqui. sou destra e fui abrindo a palma da única que o alcançava, minha mão esquerda me aproximando lentamente do bichinho voador. quando fechei a mão o beija-flor se encaixou, ficou, me olhou com a simpatia de um cão. e tão veloz seu pequeno ser coração era uma bateria batendo entre os meus dígitos. que alegria pacífica.
 
saí pra varanda, o mostrei pro gustavo, olhei suas penas pretas mescladas de azul e verde fosforescentes seu bico preto pintadinho, seus olhos pequeninos
cheios de confiança
abri a palma da minha mão e imediatamente o beija-flor voou. livre.

sábado, 25 de julho de 2015

e-mail para m.

owwwwww a merda rolou em cima de mim, depois passou um rolo compressor de cocô, seguidos de baldes de bosta & então eu me vi como o nosso belíssimo saturno manda nessas situações: LIMPÍSSIMA de luz translúcida.

sério, essa semana foi punk. caí no balde em que o aquiles é colocado pra ficar protegido mas acho que o resultado foi o contrário, fiquei com a cabeça pra cima. e como tá desde o começo de julho assim, eu tô baixando as orelhas pra ver se não vem aí um helicóptero e corta com suas hélices o topo da minha cabeça.

mas tipo saio pra por o lixo e o vento venta & que alegria é o vento! estou viva! eu amo o vento! meu deus! que lindo vento! que lindo vento que me empena as costas! minhas costas só podem estar empenadas porque estou viva!

e o milton aqui cantando: "que tragédia é essa que cai sobre todos nós?".

e hoje fui ver a xxx no ateliê dela e ela quase morreu ontem à noite num acidente de carro. quer dizer, o carro deu perda total e ela e o namorado não sofreram nenhum arranhão.

em outros tempos diríamos que os deuses estão furiosos. hoje não sei o que dizemos.

mas eu sei que escrevi um livro que só fala da porra da morte e daí tô dizendo "acabei" minha vó morre nas minhas mãos. é claro que não vou publicar esse livro antes de escrever um poema sobre isso. falta um poema. que pode demorar meses, anos. mas é isso. isso é um livro, isso é a poesia e é isso, viver a vida.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

julho

dia desses reli no meu caderno / agenda que sempre tenho comigo há anos e onde escrevo sempre que as mãos tenham o ritmo da tinta da minha caneta que curiosamente a.m.m. e m.c. usam igual / galopes que estouram: estava lá escrito:

1.7

julho será um longo mês. o primeiro julho em oito anos em são paulo. o primeiro inverno em são paulo em tanto tempo.


não sabia que seria tão longo esse julho.
quando eu era criança tinha muitas dores de ouvido em julho.
e muitas vezes o que me curava era muito chá de camomila.

desde que julho começou tomei litros de chá de camomila pra ver se melhorava. e foi o último chá que minha vó bebeu e fui eu que fiz pra ela. devia ter feito erva-doce, que ela sempre me dava quando eu era criança e eu não gostava muito, mas aprendi que era um gosto bonito de se sentir porque era o que minha avó me dava. agora já não posso ver camomila que eu choro.

não deixei do que sempre associei camomila à claridade dos dias de verão. era isso que a camomila me trazia dentro do corpo quando eu era criança: a tranquilidade de uma brisa leve num dia quente.

lembro de uma trilha no Gerês, noutro julho, onde era verão, que subimos uma montanha gigantesca, infindável, antiquíssima. e quando chegamos lá no topo não existiam grandes promessas conquistadas além do corpo tomado pelo oxigênio dos músculos, e a delicadeza portentosa de um imenso campo de camomilas que tomavam o sol e a chuva primeiro do que todos que estavam lá embaixo.

lá no sol me deitei. e adormeci.
talvez tenha ido embora um resto de saliva que eu não sabia que tinha ficado no canto da boca e o guardanapo levou; ou talvez tenha sido algo mais sério, como o dente que mora no terceiro olho da gente. de todo modo caí numa encruzilhada com todos os meus dentes. veio uma luminosidade tão grande que quase me cegou. outros na frente do que eu vi talvez vissem a destruição, que eu também vi, mas a fineza da vibração da diferença entre o que ainda se realiza e aquilo que não se realizará lembrou-me o quanto o desconhecido é uma imensidão de energia. e estou tanto noutro lugar que tenho receio de que as pessoas também não consigam mais me ver. a não ser aqueles que se solidarizam. a profundidade. há também os que desaparecem. uma coisa que eu pensei essa semana foi: de que adianta matar deus se é pra ficar assim depois angustiado quando a morte acontece? me deu vontade de dizer isso na cara de uma pessoa. mas uma vontade muito pequena como são as vontades agora. há mais necessidades: entender o clarão no sentido de não recusá-lo & afinar os passos dessa reentrada. cuidado mais que nunca com os abismos que eles são ralos com dragas de duzentas vezes mais força. e um espaço entre meio espaço e entre meio espaço e um e meio espaço aberto aberto aberto. porém o desabamento não sei se já acabou ou se a cada réplica do sismo ele vai destroçar mais duzentas coisas. a sensação de que minhas mãos estão sujas desapareceu com o passar de duzentas vezes sabão, mas o receio de esperar alguém que está no banheiro, não. não posso ver camomila que eu choro. e quando olho pra trás observo esse texto e a sensação é de que já andei duzentos quilômetros a mais no meu fôlego do que realmente andei. realmente, o realmente, a minha compreensão do que quer dizer e do que é o realmente mudou completamente em muitos poucos dias. e estou pisando em ovos. se eu acelerar todos eles quebram e o terremoto ainda não parou. it means: urano. um golpe de espadachim e furo dez olhos, mas estou desarmada, e o vento é capaz de me fazer chorar pois estou viva. e neste lado ainda: lutando por isto.

 

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