segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

na impotência há muito aprendizado
desde muito pequena me interesso pelas formas do espírito: a imaginação veio primeiro. o excesso de imaginação foi, inclusive, um sintoma de diagnóstico e linhas diversas. da homeopatia à psicanálise. hoje se assustam com a retenção muscular de que sou capaz. elas por elas, noves fora, quem sofre mesmo são os meus pulmões. dentes fracos, cariados. pulmões cheios de catarro. no entanto esse brilho, esse brilho de entusiasmo pelas formas da matéria que se jogam nas coisas.

a cada dia mais associo ego com fazer. chegam a me dizer "sabia que não é preciso sempre fazer alguma coisa diante de alguma situação?". não, eu não sei. e adoeço por exaustão. olho bem nos fundos do escuro e reconheço: é o exato oposto da potência que eu senti, da capacidade de ação que eu tive, do êxito que eu executei. então fico assim: aos rastros, retalhos, confins. entende-se com isso que não é que tenho a saúde fraca, é que eu a gasto.

tenho percebido que é por aí, na modulação da potência, é que vou aprender a não morrer cedo. mas não sei, não sei se tenho aprendizagem suficiente no meu destino. sou da turma dos que acham que já entenderam, a cada dia me interesso por menos coisas, mas a abrangência de mundos: me interesso sobretudo pelos reinos vegetais e animais faz com que eu me interesse a cada dia por mais coisas. a expansão é uma das minhas regras. a contração é o que tenho que aprender.

até hoje tem sido na marra. ou no transe, no êxtase.

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há muitos anos me interesso por oráculos. não há nada que eu procure mais do que o êxtase. estou pra sempre inafiançável na turma dos delirantes, os que têm por sintoma a imaginação. adoro o espetáculo íntimo do transe. nasci entre o vermelho e o alaranjado mas, como sou uma intérprete, tenho vocação para serpente e todas as cores do arco-íris pra consultar na palma da mão, na retina, na atmosfera. estou, sempre, pela transformação.

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canja de galinha não faz mal a ninguém,

domingo, 27 de dezembro de 2015

É preciso recriar o acontecer.
Dispor de lãs para o inverno
ouvidos para as mensagens
e peles para marcar os sinais
com a ponta do dedo em brasa.
É preciso saber
as regras dos jogos
como extrair os venenos
e que palavras abrem portas
nas orações que ainda não foram compostas.

É preciso retomar a saída da cidade
alimentar os estrangeiros chegados na madrugada
e que depois de terem os pés lavados
acenderam suas fogueiras.
Fornecemos mais do que gravetos e faíscas em gel
mas também papel para que ardessem
ou escrevessem as técnicas de suas civilizações
nas quais o vento tem outros significados
pois as asas de seus deuses batem desde o oeste
e por aqui todos sabem que os deuses vem da América do Sul.

Os estrangeiros às vezes têm ideias estúpidas
mas não vamos protegê-los de si mesmos
preciso é retirá-los de perto da falésia
para que não caiam nem decidam partir.
É preciso dar a eles a agricultura
pois são o ventre deste país
embora não saibam trazer a chuva
pelo menos respeitam as pragas
e evitam as devastações.

É preciso aquecer os músculos e hidratar a garganta
dar escudos duros e afiar as lanças dos que combatem
protegendo as pedras que dão água.
É preciso não salvar os mortos
mas limpar as ruínas de suas guerras
sem arrancar as ervas daninhas.
É preciso fornecer plantas para a sombra
e luzes no lugar dos olhos
daqueles que perderam a cabeça.
É preciso acolher os feridos
e deitar sal e cinzas
nos seus ferimentos.
É preciso acalmá-los.
E acalmá-los é dar guarida ao breu em que estão.

- - -
de "Seiva, veneno ou fruto", a sair nos próximos meses pela Chão da Feira.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

é o maior domingo do mundo
nasceu para ser longínquo
pois tentamos acessar
tudo aquilo que não há mais
os que viraram clarão
o abajur quebrou o porta retrato
os retalhos de fulano que era primo de sicrano
que morreu atravessando a rua
que leva o nome do tio Bébé
o que alforriava na praça Chagas.
o que morreu de overdose foi pela outra parte
do rio.

no maior domingo do mundo abriu-se
um sorriso, na falta de sorveteria
(estavam todas fechadas)
e do sorriso saiu uma língua
encharcou-nos todos de baba

sem esquecimento nesse domingo maior
encharcamos a cara
até sentir os pulmões muito fundos
parafusos de aço prendem
nossos troncos respiram
lá nos fundos dos confins
essas tosses hereditárias
o catarro hereditário
as melhores rabanadas
pernis bacalhaus
singelas violetas num parapeito de janela.
mas ninguém
percebe.

os que chegaram
muito novos ainda
não entendem as noites
embora por ela esperam
os pacotes imensos.
não sabem do remorso
navegam pelo grande intento
e, bem tarde, choram

como nenhuma expectativa se cumpre.
é a lei da vida.
eles também não vão aprender.
entre as coisas que morrem no natal esquecem de contar os trapos os retalhos
sobras das ligações desgastes das precipitações uma urgência 
de dizer aprender a dizer não sim 
onde é que estou
donde vai dar em mim

*

a maior parte das crises de rinite que tenho são em dias de trocas familiares
quando eu era pequena me entupiam de leite
até hoje regurgito as vacas.

flor de sabugueiro, alfazema, capim limão
são hoje só, meus irmãos.


existiu uma bomba antes de mim
não fui eu nem a saída nem estopim 
estive pra ser assim 
uma rima ruim 

a família azuleja os futuros 
me preocupo com o que virá
entre nos ruína 
enquanto sinto saudades da vó.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

entre todas as receitas que tenho para recomendar
além de alecrim dourado e verde nos olhares,
saliva em cima das feridas
sal grosso nas canelas. canela!
& ayahuasca. como tenho sentido falta.
um halo de frio amarrando meus ombros.
a parte de cima do tronco, dois parafusos
de chumbo ligando as travas entre pulmão e costela.
essa tosse de mil anos. ajudei muita gente.
vertigens dias sem descanso.
o corpo é que paga.


domingo, 20 de dezembro de 2015

anos atrás, uma amiga pedagoga de muita experiência me disse algo assim: "com o tempo a gente aprende que a inteligência importa no crescimento do ensino de alguém, mas tão importante quanto é o exercício da sensibilidade. é a sensibilidade que cria as ligações com a vida, a inteligência às vezes entorta, quase sempre quebra. mas também molda a sensibilidade. mas sem sensibilidade a inteligência é só farpas."
do mundo literário, duas coisas que me impressionam existir e eu olho pra elas como uma criança. sempre olhei, primeiro impressionada com o poder esmagador da dança, pensando que, talvez, eu pudesse dançar também. mas acho que não posso. não é nem no meu pé que pisam. é nos meus pulmões. 

discursos críticos, quase sempre legitimados com uma instituição nas costas (jornais, posições sociais, títulos) que avaliam os escritos dos escritores dizendo que eles pensam/fazem de maneira x, textos eles mesmos escritos/pensados num estilo completamente convencional. a outra coisa que me impressiona são os escritores que ligam pra alguém que gostaria de modificar a sua forma de pensar/fazer. não por bem não, quase sempre por falta de atenção, falta de respiração, falta de vida mesmo.

aliás, viver mais, com mais ligação nas coisas, não faria mal pra maior parte dos textos.
a sintonia de dois tons acima, da devolução
a espécie de variação
uma sensação de que esse blogue acabou
de que vou começar outro
que será mais improfissional
que será mais profissional

fazia tempos que não sentia essa fúria da escrita
essa fúria pouco canônica
que não aceita canetas quebradas
essa escrita que procura Valentine
e arrebenta suas teclas como dentes

fazia tempo que eu não sentia essa fúria de escrita
mas antes essa fúria significava raiva, ódio
hoje meu ódio não é mais o melhor em mim

não que ele não esteja aqui
todos os dias
no estômago
nos tímpanos
nas saídas de escapamento

não sei mais no que acreditar
porque minha crença não pesa assim
sobre nada
ela paira, minha crença
me ensina a não desejar crença
nem descrença

entendimento sim.

sábado, 19 de dezembro de 2015





costumo escrever sobre os anos só no último dia deles, como precaução talvez. 2015 passou tão rápido que acelerei também e resolvi escrever já porque não se engane, estarei pra sempre acelerando as eras; quer dizer, as eras aceleram tanto neste pulmão que, não se engane, há coisas que só a literatura pode lidar. e mais uma vez é fim de ano e estou doente, precisando descansar.

foi pensando nisso que fui pra estante pensando em que título de algum livro clássico, um clássico que ainda não li? em que título 2015 se resumiria? tão evidente: "o som e a fúria", achei 2015 na estante. quando encontrei, abri, no fôlego de quem sabe que está entrando num mundo completamente desconhecido, no mundo do mergulho chamado: literatura. logo na primeira página encontrei o recado de mim mesma para mim mesma. e quando essas coisas acontecem são placas tectônicas que deslizam na minha reação de escrever.

o que eu me lembro de 2005? que foi dos anos mais difíceis da minha vida, nunca estive tão apaixonada e fodida com isso. mas 2004 tinha sido um ano tão ruim (o pior, ainda hoje — Saturno em câncer oposto ao meu Sol), mas tão ruim, que 2005 embora eu estivesse lambendo a sarjeta dos destruídos pelo amor, isso ainda era melhor do que ter tido pneumonia e a casa assaltada com uma arma na cabeça de cada um. mas, é evidente, que não tenho a menor ideia do que foi novembro de 2005, muito menos do que estava me acontecendo no momento de escrever na contracapa do livro. e eu já sabia que toda aquela presença seria ausência ao reencontrar "o som e a fúria". todo ano tem muita coisa que parece presente, mas que se a gente apertar os olhos (um pouquinho que seja) desaparece. faz um esforço aí, gente, digere.

2015 foi o ano em que fiz mais coisas em toda a minha vida. nunca trabalhei tanto como em 2015. é até difícil nomear. dei aulas, depois desisti delas, li mapas astrais, primeiro aos poucos, e a coisa reverberou por si própria tanto que eles invadiram o meu cotidiano. publiquei poemas em lugares diversos, terminei meu livro que sai em 2016. "seiva, veneno ou fruto", sai como um cristal. em 2015 entre fevereiro e abril participei do baldio, 1 anti-jornal processo coletivo que ainda está por ser digerido pela galáxia; já pela chão da feira fizemos alguns livros, entre eles o "sibilitz", do único poeta vivo na nossa língua a quem eu chamo de "mestre"; editamos também o volume 2 da revista gratuita, em dois tomos, sólido sobre o qual ouvi comentários diversos, entre eles... taí, em 2005 eu contaria, mas em 2015 me vale mais ter algumas coisas entre os dentes, docinhos.

em 2016 continuarei fazendo digressões mais do que o comum entre tantos pensamentos estáveis dessa geração e agradeço que as rotas diversas não entrem na minha esfera de colisão, porque sei que vou estar fervendo.

em 2005 eu tinha uma espécie de ritual de travessia do ano, que eu escolhia algum livro muito poderoso pra atravessar os anos lendo. li muito beckett nessa altura do ano. a época de natal e ano-novo é sempre tão pesada que até os abstêmios se entopem e os esquecidos da própria sensibilidade choram. vou atravessar o ano lendo "o som e a fúria", 2015 foi um ano que chorei, chorei, chorei. e quando já não era mais possível chorar, chorei mais e chorei também. pela primeira vez na vida tive um motivo absolutamente real pra chorar tanto. foi a morte, o absolutamente real do real, que pela primeira vez eu vi e toquei e soube e conheci o momento exato em que minha avó se foi, num raio, pra dentro da nuvem do desconhecido. saber de mãos e pulmão e olhos. e adeus. foi mesmo uma eletricidade o tornar-se carne e é também por isso que fiquei tão reconhecida quando soube, também em 2015, a evidência de que sou filha de Iansã. e que amo os meus ancestrais.

nisso de limpar os mundos estou por absoluto, poucas palavras são tão difíceis de preencher em 2015 como "medicina", estão tantos furiosos, tantos furiosos. a maior parte dos meus amigos continua se tornando artista ou xamã, escritor ou desenhista, massagista ou terapeuta, yogue ou cantor & eu estou feliz porque também sou da sua companhia. é perceptível que um dia todos vamos concordar com o índio que disse que não tarda nada pra sabermos que não havia mais nada além de medicina. enquanto isso desconfio pacas do uso indiscriminado dessa palavra & de todas as palavras que se usam sem afinco. como poeta, como editora, como a astróloga que 2015 afirmou que sou na centena de leituras de mapas que fiz, procuro mostrar o eixo invisível em que cada um enverga ou se parte. firme. enquanto a morte não nos leva a todos, que tal cuidarmos das coisas? a saúde da carnespírito, essa coisa tão emocional que respira.

em 2015 eu agradeço pela confiança que alguns tiveram no que eu disse.
de 2016 espero voltar a escrever. afinal é o que eu espero de todos os anos.
e sempre com a música, afinal confesso que escrevi esse texto ouvindo "emoções", do roberto carlos, que era das músicas preferidas da minha avó e abre a playlist que montei quando ela se foi & escuto sempre quando a quero lembrar.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

entre as coisas que não percebes está a minha tosse
meu gesto de passar a mão no cabelo significa
que estou com sede e não é de água

meu gesto de ser um cacto
meu sonho desgovernar a órbita
dos teus olhos
com um espeto
remexo entre as coisas que não percebes
está o luto
a viagem que a gente faz de volta pra casa
quando alguém morre

é sempre cedo
pra te deixar
entre as coisas que não percebes.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

sagitário



prometi, umas semanas atrás, que escreveria sobre Sagitário quando o sol estivesse nesse signo, o do entendimento. dia melhor do que o aniversário (hoje) de 70 anos da minha mãe, não há, afinal Sagitário nunca envelhece. ainda não tinha escrito porque passei os últimos dias tão entusiasmada que agora estou no reverso: esgotada pelo excesso de energia vivificada. o que fala, desde já, da natureza desse signo metade humano, metade cavalo. Sagitário atravessa.

o quê? os mundos, os altos & os amplos. na minha nada sutil opinião, Sagitário é o primeiro dos signos a lidar com a ideia de futuro, por isso lança suas flechas sempre no adiante, no porvir. é também aquele que sempre vai dar sua opinião, e as opiniões de Sagitário vem a galope, ou num trator. o que faz dos seus argumentos atraentes é que eles não são exatamente ponderados, são exagerados e embora isso, são completamente pensados de corpo-espírito. digo mais: são verdadeiros.

embora hoje em dia (quase) todo mundo saiba que as verdades são relativas, Sagitário às vezes se esquece, mas quando se lembra: amplifica, dinamiza. questionador: o lado mais aberto da maturidade sagitariana é dizer: se não sei a resposta, é porque ainda não sei qual é a pergunta. e pra saber perguntar é preciso o quê? viver: experimentar. e experimentar é aprender.

é por isso que ama o desconhecido. saber é viver.

entre os signos de fogo Áries é a faísca, Leão é a chama, Sagitário é a brasa. o fogo amansado e constante, firme brasa do conhecimento do fogo, que segue ardendo nas eternidades humanas: Sagitário cuida da filosofia, das religiões, das universidades. é um signo de mestres, de sábios, de juízes, dos implacáveis, de reis que festejam a estranha mania de ter fé na vida. se o Leão é o rei da floresta, Sagitário é o rei que veio do estrangeiro, rei dos guerreiros de espírito e fé. Sagitário, como Xangô, pega a coroa e coloca na própria cabeça. e tem, com isso, todo o mérito de conhecer que tem a dignidade de quem a tem.

se Escorpião mostrou que há algo do lado de lá, Sagitário vem entender o lado de lá de uma maneira menos profunda, menos pesada, mais ampla e entusiasmada. Sagitário também lida com o "outro", não no sentido da alteridade libriana, ou da coletividade aquariana, mas no reconhecimento de que há muitos outros possíveis: outros estrangeiros, religiões, pensamentos filosóficos. mesmo assim Sagitário não escolhe pelo arbitrário, mas pelo que faz seu fogo interior e vibrante, vibrar. provavelmente estou exagerando, mas acho que Sagitário é o signo que lida com as noções de cultura.

Sagitário é o signo que levanta o dedo pra chamar o outro daquilo que ele é: radical, inconformado, intransigente, pouco detalhista. Sagitário amplifica os entendimentos que Gêmeos, com sua curiosidade por tudo e Virgem, com seus critérios minuciosos, não alcançaram. se Sagitário esmaga com seus cascos as pequenas flores do caminho se posicionando com a brutalidade das patas, é pra melhor mirar o alvo das suas flechas bem atiradas pelo refinamento das suas mãos.

é curiosa a quantidade de vezes que as imagens que representam tal centauro mostram sua parte humana atirando uma flecha no sentido oposto ao que seu corpo de cavalo se direciona. penso que isto fala do aprendizado constante que a pessoa com ênfase em Sagitário tem de lidar: dar mútua alimentação ao seu instinto e ao intelecto. quanto mais alimenta seu instinto, mais Sagitário reconhece que a aprendizagem se dá pelo corpo; quanto mais entende filosoficamente a vida, mais animal a pessoa de Sagitário se torna. animal-humano, Sagitário alimenta-se de conhecimento e galope.

corpo & espírito são uma mesma coisa e a verdade é que Sagitário atira muitas flechas sem se preocupar se alcançou ou não o alvo. o alvo? é só um vulto que Sagitário deixa pra Capricórnio verificar. pra Sagitário é mais importante o caminho que a flecha faz até o alvo, o caminho de si mesmo a viajar pelas densidades da experiência, do que os objetivos fechados, o alvo rígido não interessa tanto como o que se aprende na sua conquista.

se Sagitário é signo do entusiasmo, lembre-se do velho sentido da palavra: estar entusiasmado é ter um deus em si.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

minha vida a décima maratona de bom Jesus do auxílio nosso 
e depois de corrida a décima logo a vigésima também 
e mais tarde todas as que convém 
vida.
entre uma maratona e outra dormir dormir dormir e quando tiver dormido o suficiente dormir mais e passado o horário dormir mais e de novo também again. é esta a técnica.
 

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